Eram 4 filhotes. Uma já tava escolhida e devidamente encoleirada, pois era mais ativa, curiosa e miava por demais. O macho não seria válido para um apartamento. Sobravam duas. Foi então que olhei com mais atenção. Ela era a menorzinha e tinha olheiras como as minhas. Num primeiro momento seu nome era Miúda, mas depois de algumas semanas virou Mema.
Apesar de pequena comia muito. Sempre foi meio esganada. Talvez por ter sido sempre a menor perante seus irmãos. Era a lei da selva. Virou uma gata enorme, mais peluda que a irmã, porém sempre meio maluquinha. Carente, com seus olhos inquietos, sempre em órbita. Vez ou outra tinha uns repentes e escalava os batentes das portas ou se jogava na tela da varanda. Escolhia os lugares mais improváveis pra dormir, como o basculante do banheiro ou uma caixa escondida embaixo de um móvel. Era submissa e apaixonada pela irmã. Carinhosa e doce com todos. Pulava no colo de qualquer um que se sentasse no sofá.
Porém um dia apareceu um caroço no pescoço. Achei que poderia ser berne, já que morava próximo ao Parque Jardim Botânico. Moscas desse tipo não não poderiam ser muito difíceis naquela região. Passados uns dias levei-a ao veterinário e o veredito foi o pior possível: sarcoma vacinal, ou seja, câncer por vacina. Mas poderia ser benigno, certo? Errado! Após a biópsia descobriu-se ser um mega-super-bláster-evil tumor.
Resumindo, foram quatro cirurgias em dois anos e cada vez que era retirado o maldito voltava maior e em menos tempo. A última operação então foi terrível. Foram muitas semanas de recuperação. Dois meses depois ele voltou em outro lugar. Impressionante como foi rápido. Passado mais um mês Mema parecia ter envelhecido uns 6 ou 7 anos. Seus olhos ficaram tristes, seu pelo esbranquiçado, seus ossos cada vez mais aparentes. Emagreceu a olhos vistos, impressionante como essa doença terrível suga as forças, seja de uma pessoa ou de um animal. Já estava difícil comer, andar, se levantar ou usar a caixinha. Sabia que tinha de tomar uma decisão ou melhor, só tinha uma coisa a fazer, mas fui postergando.
Acordei ontem e pela primeira vez, em quase 8 anos ela tinha urinado no chão. Não conseguiu mais levantar. Eu tive que levá-la à caixinha e a fiquei segurando para não cair. Era a hora. Liguei para o veterinário, combinei tudo com ele. Desliguei e caí em prantos. Era mais uma perda, mas eu não podia mais e ela também não.
Coloquei-a com cuidado na bolsa de palha que tantas vezes me serviu de transporte para levá-la aos antibióticos pós operação. O marcado era estar lá às 14h, mas acabei chegando uns minutos antes. Sentei na porta da clínica, coloquei a bolsa do lado e ela me encarava com seus olhinhos. Ela não tinha mais olheiras, apenas tristeza e muito cansaço. Ficamos ali por uns dez minutos. Intermináveis eu diria. Fazia carinho em sua cabeça e ela tentava miar, sem muito sucesso. Um barulhinho baixinho, sofrido, angustiado. Ela sabia que a hora tinha chegado.
Entramos na clínica, a tirei da bolsa e a segurei em meu colo pela última vez. Dei-lhe um beijo e agradeci por tudo. Coloquei-a em uma gaiolinha e ela resignada se deitou. Me despedi e saí pela rua vagando aos prantos.
“O animal caminha para a condição de homem, tanto quanto o homem evolui no encalço do anjo.” (Emmanuel, na obra 'Alvorada do Reino' - Psicografia: Chico Xavier)
Um comentário:
impossível não se emocionar. tão difícil, tão doído. a responsabilidade pelo fim é sempre dura. e é um dom saber quando a hora chega. e vcs duas souberam.
força, linda.
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